O texto não é tão simples e foge um pouco do objetivo desse blog, que é trazer a teologia de modo simples, levando em consideração as experiências pessoais, mas entendo ser interessante para melhor formulação do nosso entendimento sobre a morte eterna, por esse motivo estou postando este artigo.
O assunto surgiu em uma conversa com meu irmão (de sangue) que defende a ideia de um aniquilamento total dos impios. Li alguns artigos e livros a respeito, tanto contrários, quanto a favor, fundamentei meu pensamento e encontrei minha linha de raciocínio expressa de maneira singular no texto de James I. Parker que li no site monergismo.com. Os direitos autorais deste texto pertencem a Editora Os Puritanos. Sem mais delongas, segue o texto. Espero que apreciem.
Reconsiderando o
Aniquilacionismo Evangélico
Uma Análise do Pensamento de John Stott sobre a Não-Existência do Inferno
Uma Análise do Pensamento de John Stott sobre a Não-Existência do Inferno
por
James I. Packer
O evangelicalismo é definido de várias maneiras por diversos tipos de pessoas. Eu o defino como a religião dos crentes da Bíblia Trinitariana que se gloriam na cruz de Cristo como a única fonte de paz com Deus e buscam compartilhar a sua fé com os outros; e eu noto que o evangelicalismo ocidental (para não irmos mais adiante), como o liberalismo protestante, o catolicismo romano de toda espécie, e o ortodoxismo oriental, tem um padrão propriamente seu. Dentre os fatores que formaram esse padrão durante os últimos cinqüenta anos incluem-se o ensinamento dogmático, devocional, apologético e ativista ministrado nas igrejas evangélicas e em movimentos paraeclesiásticos; a literatura (livros, jornais, revistas) produzida pelos evangélicos; a sensação de uma fidelidade superior à Bíblia, seu Deus e seu Cristo, que as instituições evangélicas cultivam; uma sensação de estar sendo ameaçado pelos enormes batalhões do protestantismo liberal, catolicismo romano e instituições seculares, que os leva a vociferar quando esses fundamentos ideológicos são discutidos; a obstinação por um evangelismo atuante; e o costume de transformar estudiosos e líderes em gurus, de onde surge um sentimento de ultraje e traição se percebem que eles estão andando fora da linha. Dentro da distintiva identidade corporativa do evangelicalismo introduziram-se uma consciência de privilégio e vocação, uma mentalidade envolvente e persistente, a discussão de temas irrelevantes, uma certa violência verbal e uma tendência de atingir nossos próprios feridos.
Ainda não está claro se o recente
restabelecimento da confiança e o crescimento de uma vida intelectual [1] do
movimento estão ou não amadurecendo esse padrão ainda verde; entretanto, sem
dúvida alguma, os fatores citados acima se tornaram evidentes enquanto os
evangélicos discutiam o aniquilacionismo entre si nos últimos dez anos.
Idéias aniquilacionistas têm sido
debatidas entre os evangélicos por mais de um século [2], mas nunca se tornaram
parte da corrente principal da fé evangélica [3], nem sequer foram largamente
discutidas no meio evangélico até recentemente. Em 1987, Clark Pinnock escreveu
um artigo bombástico de duas páginas entitulado “O Fogo, e Nada Mais” [4], mas
que, apesar de amplamente lido, não provocou maiores discussões do que uma exposição
de quinhentas páginas sobre o assunto: “O Fogo que Consome” (1982), publicada
por Edward William Fudge [5], talentoso leigo das Igrejas de Cristo.
Entretanto, em 1988, surgiram dois curtos trabalhos de defesa, ambos de
veteranos evangélicos anglicanos: oito páginas de John Stott em “Essentials”
[6], e dez do falecido Philip Edgecumb Hughes em “A Verdadeira Imagem” [7], que
puseram o gato no meio dos pombos.
Em uma conferência de 350 líderes em
Deerfiield, Illinois, no ano de 1989, eu li um documento pomposamente
entitulado “Evangélicos e o Caminho da Salvação: Novos Desafios ao Evangelho:
Universalismo e a Justificação pela Fé” [8]. No documento eu ofereci uma linha
de pensamento contrária à posição desses dois respeitáveis amigos [9]. A reação
foi tal que a conferência se dividiu ao meio sobre a questão da aniquilação. O
relatório da Christianity Today (periódico evangélico) dizia:
“Surgiram fortes desentendimentos sobre
a posição do aniquilacionismo, doutrina que afirma que as almas não salvas
deixarão de existir após a morte... a conferência foi quase que dividida ao
meio ao tratar do assunto em suas declarações, e nenhuma renúncia a essa
posição foi incluída na resenha final da conferência”. [10]
Depois disso, a pedido de John White,
então presidente da Associação Nacional de Evangélicos, o falecido John
Gerstner escreveu uma resposta a Stott, Hughes e Fudge sob o título
“Arrependei-vos ou Perecereis” (1990) [11]; e em 1992 os documentos
apresentados na quarta Conferência sobre Dogmas Cristãos de Edinburgo foram
publicados com o título “Universalismo e a Doutrina do Inferno” [12],
juntamente com “O Argumento a Favor da Imortalidade Condicional”, de John W.
Wenham e “O Argumento Contra o Condicionalismo: Uma Resposta a Edward William
Fudge”, de Kendall S. Harmon.
E isso não foi tudo. Livros reafirmando
a realidade e eternidade do inferno começaram a aparecer: “Questões Cruciais
Sobre o inferno” (1991) [13], de Ajith Fernando; “Um Deus Irado?” (1991) [14],
de Eryl Davies; “O Outro Lado das Boas Novas” (1992) [15], por Larry Dixon;
“Quatro Opiniões sobre o Inferno” (1992) [16], por William Crocket, John
Walvoord, Zachary Hayes e Clark Pinnock; “A Estrada Para o Inferno” (1992)
[17], de David Pawson; “O Que Aconteceu Com o Inferno?” (1993) [18], de John Blanchard;
“A Batalha Pelo Inferno: Uma Visão Geral e Avaliação do Crescimento do
Interesse Evangélico pela Doutrina da Aniquilação” (1995) [19], por David
George Moore; “O Inferno Em Julgamento: O Argumento a Favor do Castigo Eterno”
(1995) [20], de Robert A. Peterson. Todos estes contestando mais ou menos
elaboradamente o aniquilacionismo. Continuava assim a discussão.
O que está em questão aqui? A questão é
essencialmente exegética, embora com implicações pastorais e teológicas. E se
resume a se, quando Jesus disse que aqueles banidos no julgamento final “irão
para o castigo eterno” (Mt 25:46), Ele tinha em vista um estado de tormento que
não terá fim, ou um irrevogável fim da existência consciente; em outras
palavras (pois assim é colocada a questão), um castigo que é eterno em sua
extensão ou no seu efeito. A corrente principal da cristandade sempre afirmou o
primeiro, e continua a fazê-lo; evangélicos aniquilacionistas, juntos com
muitos Testemunhas de Jeová, Adventistas do Sétimo Dia e liberais — na
realidade quase todos os que não são universalistas — defendem o último.
Entretanto desse ponto em diante os evangélicos aniquilacionistas se dispersam
e não há unanimidade [21].
Alguns têm asseverado que o
aniquilamento ocorrerá imediatamente após a sentença de Jesus no Juízo Final,
após um período de tormento no estado intermediário; outros têm pensado que
cada pessoa banida da presença de Jesus passará por algum tormento,
proporcional em intensidade e extensão ao que cada um merece, até que venha o
momento da aniquilação. Alguns baseiam o seu aniquilacionismo em uma
antropologia adaptada. Eles argumentam que uma existência eterna não é natural;
e que, pelo contrário, desde que nós somos seres pessoais (almas) que vivem por
meio de corpos, a separação entre a alma e o corpo extinguirá a consciência.
Então, depois da nossa separação inicial (a primeira morte) não há um estado
intermediário, apenas uma inconsciência que continuará até a ressurreição, e
depois dos descrentes ressuscitados serem banidos da presença de Cristo, as
suas consciências finalmente cessarão (segunda morte) quando, e porque, os seus
corpos ressurretos deixarão de existir. Entretanto, alguns que raciocinam desta
forma, na verdade, afirmam que há um estado intermediário consciente, com
alegria para os santos e sofrimento para os ímpios, como sempre foi o consenso
geral da Igreja. Todos que adotam essa antropologia denominam a sua posição de
imortalidade condicional, expressão cunhada para mostrar que a existência após
a morte que as religiões imaginam e que a maioria, se não todas, deseja, é uma
dádiva que Deus concede somente aos crentes, enquanto que Ele, cedo ou tarde,
simplesmente extingue o resto de nossa raça. A existência eterna está,
portanto, condicionada à fé em Jesus Cristo, e a aniquilação é a alternativa
para os demais [22].
Historicamente, essas são opiniões do
século passado. O século dezenove foi uma era de audaciosos desafios a
suposições antigas, sonhos audaciosos de fazer as coisas melhores, e
empreendimentos audaciosos, tanto intelectuais como tecnológicos, para
realizá-los. O ensinamento cristão histórico sobre o inferno era posto em questão
à luz da convicção utilitariana e progressista de que a retribuição em si, sem
qualquer perspectiva de alguma coisa ou alguém ser melhorado por ela, não é
justificativa suficiente para a punição, desconsiderando o castigo eterno.
Partindo desse ponto de vista a idéia de que o ato de Deus manter alguém em
permanente tormento após a morte era indigno dEle e, portanto, a posição
tradicional sobre o castigo eterno deve ser abandonada, devendo-se encontrar
outra maneira de explicar os textos que parecem ensiná-la. Revisionistas da
Bíblia desenvolveram duas maneiras de fazer isso, ambas essencialmente
especulativas, à maneira de Orígenes, que usava a filosofia da época para
estabelecer uma estrutura da forma de interpretação dos textos e para preencher
as lacunas nos seus ensinamentos. O primeiro método era o universalismo, que
diz que todos os seres humanos estarão por fim no céu, e especula em como,
através de dolorosas experiências, os que morrem na incredulidade conseguirão
isso. A segunda maneira é o aniquilacionismo, o qual afirma que os que estarão
no céu serão por fim todos os humanos, e especula sobre quando os incrédulos
serão aniquilados. Os argumentos utilizados pelos aniquilacionistas de hoje são
essencialmente os mesmos dos seus predecessores do século passado.
Duas advertências pastorais e
teológicas devem preceder nossas considerações a esses argumentos.
1) Opiniões sobre o inferno não devem ser discutidas fora das linhas do
Evangelho. Por quê? Porque é somente em conexão com o Evangelho que Jesus e os
autores do Novo Testamento falam do inferno, e a maneira bíblica de lidar com
temas bíblicos é levar-se em consideração tanto as suas conexões bíblicas,
quanto a sua substância bíblica. Como diz Peter Toon:
“... a pregação e o ensino de Jesus com
relação ao Geena, trevas e condenação estavam relacionados com a Sua
proclamação e exposição do reino de Deus, salvação e vida eterna; eles nunca
são expostos como assuntos independentes para reflexão e estudo. Renomados
teólogos [23] têm muito enfatizado este último ponto. ... o inferno é parte
integrante do Evangelho e portanto não pode ser deixado de fora ... . Advertir
as pessoas para que evitem o inferno significa que ele é uma realidade, ou pode
vir a ser uma realidade. Portanto, é inevitável que tentemos oferecer uma
descrição do inferno pelo menos em termos de poena damni (dor pela perda da
alegria) e possivelmente de poena sensus (dor dos sentidos, ou seja, através
dos sentidos) mas ... sempre reconhecemos que falamos figuradamente”. [24]
A idéia cristã do inferno não é um
conceito isolado de sofrimento apenas por sofrimento (a divina “selvageria”,
“sadismo”, “crueldade” e “vingança” do qual os aniquilacionistas acusam os
crentes que declaram o inferno eterno) [25]; mas uma noção biblicamente formada
por três misérias equivalentes, que são: a exclusão da presença e comunhão
graciosa de Deus, em castigo e com destruição sobre aqueles que, ao negarem as
misericórdias de Deus, já rejeitaram o Pai e o Filho nos seus corações. A
justiça do juízo final de Deus, o qual Jesus administrará, de acordo com o
Evangelho, está em duas coisas: primeiro, o fato de que o que as pessoas
recebem não é apenas o que elas merecem, mas o que elas na verdade escolheram — isto é, existir para sempre sem Deus e
conseqüentemente sem nenhum dos bens que Ele concede; segundo, o fato de que a
sentença é proporcional ao conhecimento da Palavra, obra e vontade de Deus, que
foram desconsideradas (Cf. Lc. 12:42-48; Rm1:18-20, 32, 2:4,12-15). De acordo
com o Evangelho, o inferno não é uma selvageria imoral, mas uma retribuição
moral, e discussões sobre a sua extensão para os seus habitantes devem ocorrer
dentro desse quadro.
2) Opiniões
sobre o inferno não deveriam ser determinadas por considerações do bem-estar.
Diz John Wenham: “Acautelai-vos da imensa atração natural por qualquer saída
que os livre da idéia de pecado e sofrimento sem fim. A tentação de torcer o
que deveriam ser declarações completamente rígidas das Escrituras é intensa. É
a situação ideal para uma racionalização inconsciente” [26].
Diz John Stott:
“Eu acho o conceito de tormento consciente eterno emocionalmente intolerável e não compreendo como as pessoas conseguem conviver com isso sem cauterizar seus sentimentos ou esfacelá-los com a tensão. Mas as nossas emoções são um guia instável, não confiável para nos conduzir à verdade e não devem ser exaltadas ao lugar de suprema autoridade em determiná-la ... minha pergunta deve ser — e é — não o que me diz o meu coração, mas, o que diz a Palavra de Deus?” [27].
“Eu acho o conceito de tormento consciente eterno emocionalmente intolerável e não compreendo como as pessoas conseguem conviver com isso sem cauterizar seus sentimentos ou esfacelá-los com a tensão. Mas as nossas emoções são um guia instável, não confiável para nos conduzir à verdade e não devem ser exaltadas ao lugar de suprema autoridade em determiná-la ... minha pergunta deve ser — e é — não o que me diz o meu coração, mas, o que diz a Palavra de Deus?” [27].
Ambos adotaram o aniquilacionismo, no
que estão errados, mas eles o admitem por uma justa razão — não porque é uma
idéia que se ajustou confortavelmente às suas convicções, apesar de tê-lo
feito, mas porque eles pensaram tê-lo encontrado na Bíblia. Qualquer que seja
nossa posição sobre a questão, nós também devemos ser guiados pelas Escrituras
e nada mais.
1) O primeiro argumento é a necessidade de explicar “castigo eterno” de
Mateus 25:46, que está diretamente relacionado com “vida eterna”, sem que traga
necessariamente a implicação de eternidade. Admitindo-se que, como é
corretamente defendido, “eterno” (aionios) no Novo Testamento significa “que
pertence à era porvir” em vez de expressar qualquer noção diretamente
cronológica, os escritores do Novo Testamento são unânimes em concluir que o
tempo porvir será eterno. Então o problema dos aniquilacionistas permanece no
mesmo lugar que estava. A afirmação de que, na era por vir, a vida é alguma
coisa contínua, enquanto que o castigo é algo com um final, torna a questão
evasiva. Basil Atkinson, “um excêntrico bacharel acadêmico”, de acordo com
Wenham [28], mas um filologista profissional, e mentor de Wenham e Stott nessa
matéria, escreveu:
“Quando o adjetivo aionios significando
“eterno” é usado no grego juntamente com substantivos de ação, ele se refere ao
resultado da ação, não ao processo. Assim a expressão “castigo eterno” é
comparável a “redenção eterna” e a “salvação eterna”, todas expressões bíblicas
... os que se perdem não passarão eternamente por um processo de castigo mas
serão punidos uma vez por todas com resultados eternos”. [29]
Embora essa declaração seja
constantemente feita por aniquilacionistas, que de outra maneira não poderiam
erigir sua posição, ela carece de apoio gramatical e em qualquer caso torna a
questão evasiva quando assume que o castigo é um evento momentâneo ao invés de
contínuo. Embora, porventura, não seja absolutamente impossível, o raciocínio
parece artificial, evasivo, e, em uma avaliação final, desamparado.
2) O segundo argumento é que, uma vez que a idéia de imortalidade
intrínseca da alma (isto é, do indivíduo consciente) deixa de ser considerada
como uma intromissão platônica na exegese do segundo século, parecerá que o
único significado natural de morte, destruição, fogo e trevas no Novo
Testamento como indicadores do destino dos ímpios é de que tais pessoas deixam
de existir. Mas tal afirmação quando submetida à prova mostra estar errada.
Para os evangélicos, a analogia das Escrituras, isto é, o axioma da sua
coerência e consistência intrínsecas e sua capacidade de elucidar ela mesma os
seus ensinos, é uma regra para toda interpretação, e, embora haja textos que,
tomando-os isoladamente, podem conter implicações aniquilacionistas, há outros
que de forma alguma podem se encaixar nesse esquema. Mas nenhuma teoria que se
propõe a explicar o significado da Bíblia e não abrange todas as Suas
principais declarações pode ser verdadeira.
Judas 6 e Mateus 8:12; 22:13, 25:30
mostram que as trevas significam um estado de privação e aflição, mas não de
destruição no sentido de deixar de existir. Somente aqueles que existem podem
chorar e ranger seus dentes, como é dito dos que serão lançados nas trevas.
Em nenhuma parte a morte significa
extinção; morte física é a partida para outra forma de existência chamada sheol
ou hades, e morte metafórica é uma existência sem Deus e Sua graça; nada na
terminologia bíblica garante a idéia, encontrada em Guillebaud [30] e outros,
de que “a segunda morte” de Apocalipse 21:11, 20:14, 21:8 significa ou
refere-se à extinção da existência.
Lucas 16:22-24 nos mostra, como também
uma grande quantidade de linguagem apocalíptica extra-bíblica, que fogo
significa uma existência continuamente em tormento, e as arrepiantes palavras
de Apocalipse 14:10, 19:20, 20:10 e de Mateus 13:42,50 confirmam isso.
Em 2 Tessalonicenses 1:9 Paulo explica,
ou amplia, o significado de “sofrerão penalidade de eterna (aionios)
destruição” adicionando “banidos da face do Senhor” — expressão que, por
denotar exclusão, joga por terra a idéia de que “destruição” significa
extinção. Somente aqueles que existem podem ser excluídos. Tem sido
freqüentemente demonstrado que no grego o significado natural das palavras
relacionadas a destruição (substantivo, olethros; verbo, apollumi) é arruinar,
de forma que o foi destruído fica, a partir de então, inutilizado, ao invés de
propriamente aniquilado, de maneira que passa a não mais existir de forma
alguma.
Os aniquilacionistas se defendem com
especial argumentação. Às vezes, eles argumentam que tais textos que falam de
um tormento contínuo fazem referência somente a uma experiência temporária para
os que se perdem antes de deixarem de existir, mas isso é tornar a questão
evasiva através de uma exegese especulativa e renunciar a sua declaração
original de que o Novo Testamento, quando fala de perdição eterna, sugere
naturalmente a extinção. Peterson cita John Stott, no que ele chama de “o
melhor argumento aniquilacionista” [31]. O trecho a seguir faz comentários às
palavras “A fumaça do seu tormento sobe pelos séculos dos séculos” de
Apocalipse 14:11.
O próprio fogo é chamado “eterno” e
“inextinguível”, mas seria muito estranho se o que fosse ali atirado provasse
ser indestrutível. A nossa expectativa deveria ser o oposto: o que for ali
atirado deve ser consumido eternamente, não atormentado eternamente. Por isso
existe a fumaça (evidência de que o fogo fez o seu trabalho) que “sobe pelos
séculos dos séculos”.
“Pelo contrário”, contra-argumenta
Peterson, “nossa expectativa seria de que a fumaça se extinguiria uma vez que o
fogo já tivesse terminado o seu serviço ...”. O restante do verso confirma
nossa interpretação: “e não têm descanso algum, nem de dia nem de noite, os
adoradores da besta e da sua imagem” [32]. Para isso parece não haver resposta.
Portanto, o argumento lingüístico
fracassa em todos os seus pontos. Dizer que alguns textos, tomados
isoladamente, poderiam significar a aniquilação, não prova absolutamente nada
quando outros evidentemente não o fazem.
3) O terceiro argumento é o de que o fato de Deus aplicar eternamente um
castigo aos perdidos seria algo injusto e desproporcional. Stott escreve: “eu
questiono se o 'tormento eterno e consciente' é compatível com a revelação
bíblica de justiça divina, a menos que talvez (como tem sido argumentado) a
impenitência dos ímpios também perdure ao longo da eternidade” [33]. A
incerteza expressa pelo “talvez” de Stott é estranha, por isso não há nenhuma
razão para se pensar que a ressurreição dos ímpios mudará o seu caráter, e sim
toda a razão para se supor que a sua rebeldia e impenitência continuarão enquanto
eles existirem, tornando o eterno exílio da comunhão de Deus plenamente
apropriado; mas, deixando isso a parte, é evidente que o argumento, se fosse
válido, provaria coisas demais e terminaria solapando a própria causa
aniquilacionista.
Mas se, como sugere o argumento, é
desnecessariamente cruel para Deus manter os que se perdem existindo para serem
atormentados, porque a Sua justiça no caso não requer isso, como os
aniquilacionistas podem justificar, em termos da justiça de Deus, o fato dEle
os fazer passar por qualquer tipo de tormento após a morte. Por que a justiça,
que desse ponto de vista requer a aniquilação de qualquer forma, não se
satisfaz com uma aniquilação no momento da morte? Os aniquilacionistas
bíblicos, que não podem escapar da expectativa bíblica da ressurreição final de
crentes e incrédulos para o julgamento, também admitem que haverá alguma dor
imposta após o julgamento e antes da extinção; mas se a justiça de Deus não
requer nada além da aniquilação, e portanto não requer essa dor, ela se torna
uma crueldade desnecessária, sendo Deus assim, conseqüentemente, acusado de
cometer a mesma falta da qual os aniquilacionistas ansiosamente querem provar
que Ele é inocente e também condenam a corrente principal do pensamento cristão
por sua inferência. Enquanto que, se a justiça de Deus realmente não requer
nenhuma punição em adição à aniquilação, e a contínua hostilidade, rebeldia e
impenitência dos ímpios para com Deus permanece uma realidade após suas mortes,
não haverá momento algum em que seja possível tanto para Deus como para o homem
dizer que castigo suficiente já foi aplicado, que já não merecem mais do que já
receberam, e qualquer punição a mais além disso seria injusta. Dessa forma o
argumento retorna aos seus proponentes como um bumerangue, impelindo-os de
volta e deixando-os sem poder escapar das garras do seu dilema. Basil Atkinson
foi mais sábio e declarou: “eu tenho evitado ... qualquer argumento sobre o
estado final dos ímpios baseado no caráter de Deus, o que eu consideraria uma
irreverência tentar avaliá-lo” [34]. Sem dúvida ele anteviu as dificuldades a
que tal argumento conduz.
4) O quarto argumento é o de que a alegria dos santos no céu seria
arruinada pelo fato de saberem que alguns continuam debaixo de merecida
punição. Mas não se pode dizer isso de Deus, como se a manifestação da Sua
santidade na punição doesse mais a Ele do que aos ofensores; e desde que no céu
os cristãos serão semelhantes a Deus, amando o que Ele ama e se regozijando em
toda manifestação Sua, incluindo a manifestação da Sua justiça (na qual os
santos, pelas Escrituras, na verdade já se alegram neste mundo), não há razão
para imaginar que a sua alegria eterna será prejudicada dessa forma [35].
É desagradável contestar honrados
colegas evangélicos através de uma matéria impressa, alguns dos quais são bons
amigos e outros (eu falo particularmente de Atkinson, Wenham e Hughes) agora já
se encontram com Cristo. Portanto, paro por aqui. Meu propósito era apenas
reconsiderar o debate e avaliar a força dos argumentos utilizados, e isso eu
fiz. Eu não estou certo se concordo com Peter Toon quando diz que “discussão
sobre se o inferno significa castigo eterno ou aniquilação após o juízo ... é
tanto perda de tempo como uma tentativa de saber daquilo que não podemos saber”
[36], mas eu estou convencido de que ele está certo em dizer que o inferno “faz
parte do Evangelho” e que “advertir as pessoas para que evitem o inferno
significa que ele é uma realidade” [37]. Todo aquele que se decide por advertir
as pessoas para que evitem o inferno pode andar em comunhão no seu ministério e
legitimamente reivindicar ser um evangélico. Quando John Stott argumenta que “a
aniquilação final do ímpio deveria ser aceita como uma alternativa legítima e
biblicamente fundamentada para o eterno e consciente tormento” [38], ele pede
demais, pois os fundamentos bíblicos dessa posição, quando examinados, provam,
como vimos, que são inadequados. Seria errado porém, se essas diferenças de
opinião quanto ao assunto levassem ao rompimento da comunhão. Entretanto seria
uma boa coisa se elas fossem resolvidas.
Notas:
[1] - No Place for Truth (Nenhum
Lugar para Verdade - Grand Rapids: Eerdmans, 1993) de David Wells e Mark Noll,
The Scandal of the Evangelical Mind (O Escândalo da Mente Evangélica - Grand
Rapids: Eerdmans, 1994), contam só parte da história. Admitindo-se que a
teologia evangélica em algumas partes e sobre alguns aspectos tem sido
deformada e fragmentada, a energia que atualmente vem sendo dedicada para
recuperá-la aqui, é notável.
[2] - Detalhes podem ser recolhidos de
LeRoy Edwin Froom, The Conditionalist Faith of Our Fathers (A Fé
Condicional de Nossos Pais - Washington, D. C.: Review and Herald, 2 vols.,
1965-66), e de David J. Powys, “The Nineteenth and Twentieth Century Debates
about Hell and Universalism”, (O Debate sobre Inferno e Universalismo no Século
19 e 20 - Uníversalism, Paternoster Press, e Grand Rapids: Baker, 1992), 93138.
[3] - Eu declarei isto em “The Problem
of Eternal Punishment” (O Problema do Castigo Eterno - Crux XXVI.3 - 23/09/90.
John Wenham desafiou fundamentado em que os evangélicos falaram muito sobre o
assunto na segunda metade do século 19, que ele chamou “o auge do
condicionalismo entre evangélicos” (Universalism. ., 181 e nota 27). Mas
conversação e convicção não são a mesma coisa. A evidência para minha afirmação
encontra-se no fato de que três dos “quatro melhores livros que defendem o
aniquilacionismo” segundo Robert A. Peterson, (Hell on Trial - Inferno em
Julgamento - Phillipsburg: Presbyterian & Reformed Publishing, 1995,
161-62); The Righteous Judge, de Harold E. Guillebaud (O Justo Juiz -
publicação independente, 1964); Basil F. C. Atkinson, Life and lmmortality (Vida
e Imortalidade - publicação independente, n.d.c. 1968; e Edward William Fudge, The
Fire That Consumes (O Fogo Que Consome), não foram publicados por nenhuma
publicadora evangélica influente.
[4] - Christianity Today (Cristianismo
Hoje), 20 de março de 1987, 40-41. Pinnock ampliou sua linha de pensamento em “The
Destruction of the Finally Impenitent” (A Destruição do Impenitente a Final -
Criswell Theological Review 4 (Primavera 1990), 243-59.
[5] - Houston: Providential Press,
(Imprensa providencial), 1982. O livro de Fudge foi notado e respondido de
forma breve por Robert UM. Morey, Death
and the Afterlife(Morte e a Vida após a morte - Minneapolis: Bethany House,
1984), 124ff., 205. Uma edição revisada e reduzida, com as
respostas de Fudge aos críticos, apareceu em 1994 (Carlisle, Reino Unido,:
Paternoster Press).
[6] - David L.
Edwards e John Stott, Essenhals (Londres: Hodder & Stoughton,
1988), 313-20.
[7] - Grand
Rapids: Eerdmans, e Leicester, Reino Unido,: Inter-Varsity Press, 1989,
398-407.
[8] - Kenneth
Kantzer e Carl F. H. o Henry, eds., Evangelical Essentials (Grand Rapids:
Zondervan, 1990), 107-36.
[9] - A linha de pensamento foi
desenvolvida no artigo de Crux (Ponto Crucial), nota 3.
[10] - Christianity Today (Cristianismo
Hoje), 16 de junho de 1989, 60,; 63.
[11] - Ligonier, Pennsylvania,: Soli
Deo Gloria Publications (Soli Deo Gloria Publicações), 1990.
[12] - Veja nota 2.
[13] - Eastbourne, Reino Unido,:
Kingsway, 1991.
[14] - Bridgend, Reino Unido,:
Evangelical Press of Wales (Imprensa Evangélica de Gales), 1991.
[15] - Wheaton:
Bridgepoint Books (Victor Books), 1992.
[16] - Grand
Rapids: Zondervan, 1992.
[17] - Londres:
Hodder & Stoughton, 1992.
[18] - Darlington, Reino Unido,:
Evangelical Press (Imprensa Evangélica), 1993.
[19] - Lanham,
Maryland,: United Press of América, 1995.
[20] - Veja nota 3.
[21] - Para uma consideração geral,
veja David J. Powys, ""The Nineteenth & Twentieth Century Debates
about Hell and Universalism," in Universalism. . ., (Debate sobre Inferno
do Século 19 e 20 e Universalismo), em Universalism. . ., 93-129.
[22] - Além de seus expoentes
evangélicos modernos, o condicionalismo tem tido o apoio de uma grande parte do
protestantismo mundial durante os últimos 150 anos. Veja B. B. Warfield, "
Annihilationism" (Aniquilacionismo-Grand Rapids: Baker, 1981), ix.,
447-57; Peter Toon, Heaven and Hell (Céu e Inferno - Nashville: o Thomas
Nelson, 1986), 17S81;artigos "Annihilationism" (Aniquilacionismo) e
Conditional Immortality" (Imortalidade Condicional - Dicionário Evangélico
de Teologia - Walter UM. Elwell, ed. Grand Rapids: Baker,1984).
[23] - Ibid., 199.
[24] - Ibid., 200-201.
[25] - “Selvageria” é de Michael Green,
Evangelism through the Local Church (Evangelismo pela Igreja Local - Londres:
Hodder & Stoughton, 1990); “sadismo” é de J. W. Wenham, Universalism. . .
(Universalismo ...), 187; as outras duas palavras são de Clark Pinnock,
Criswell Theological Review 4 (1990), 246.
[26] - Wenham, The Enigma of Evil (O
Enigma do Mal - Grand Rapids: Zondervan, 1985), 37-38.
[27] - Stott, Essentials, 315-16.
[28] - Wenham, Universalism ...
(Universalismo...), 162, note 3.
[29] - Atkinson, Life and lmmortality
(Vida e Imortalidade), 101.
[30] - H. E.
Guillebaud, The Righteous Judge (O Justo Juiz), 14.
[31] - Peterson, Hell on Trial (Inferno
em Julgamento), 162. Wenham descreve as páginas de Stott como um “tratamento
leve”, (Universalism. . ., 167). O julgamento de Peterson me parece mais
perspicaz.
[32] - Ibid., 168-69; Stott citando,
Essentials, 316.
[33] - Ibid., 319.
[34] - Ibid., iv.
[35] - Estas sentenças são
principalmente retiradas de Packer, art. cit, 23. 36 Ibid., 201.
[37] - Ibid., 250.
[38] - Ibid., 320.39 Fonte: Revista
Fides Reformata
Dr. James Packer, antigamente Professor
de Teologia no Regent College, Vancouver; desde 1979, Editor Senior da
Chrishanity Today e um professor muito ocupado. Ele disserta amplamente,
escreve extensivamente, e é o distinto autor de numerosos best-sellers. Ele
contribuiu para Reformation & Revival Journal.